Dessa vez o Fórum das
Águas foi realizado no Bairro Alfredo Nascimento (zona norte de Manaus). O
clima era diferente, pois estávamos em meio a uma gente generosa e acolhedora,
mas que há muito tempo padece com o desabastecimento d’água. Com efeito, a zona
norte, juntamente com a zona leste da capital amazonense, abriga uma população
de 600.000 pessoas sujeitas à falta desse líquido imprescindível para a vida. A
luta pela água é uma luta pela vida! Em Manaus, há mais de 80.000 residências
vivendo o problema do abastecimento irregular de água (IBGE, 2010). Chocante
contradição quando sabemos que estamos em uma região que possui um dos maiores
reservatórios naturais de água doce do planeta.
Merece destaque o
fato de a concessionária prestadora desse “desserviço” (Águas do
Amazonas–Manaus Ambiental) reconhecer que não há problema com a produção de
água, mas sim com a sua distribuição (Acrítica, 17/09/2012). A mesma empresa
ainda informa que em outras regiões da capital não há o problema da falta de
água! Ora, sabe-se que as zonas leste e norte constituem as áreas cuja maioria
da população é de baixa renda (menor poder econômico e menor potencial de
compra). Essas declarações da mencionada empresa indicam não somente a predominância
de uma forte desigualdade na distribuição de um bem a que todos têm direito,
mas também revelam que a precariedade dessa distribuição nos meios populares é
tomada como algo natural, uma vez que se trata de um problema conhecido há
décadas, mas não equacionado. Na nossa sociedade, é normal maltratar os pobres!
Com efeito, Karl
Marx, analisando os processos sociais no sistema capitalista, já indicava na
sua época que as forças materiais (econômicas) determinavam a vida social dos
indivíduos. Essa realidade continua se reproduzindo: há muita água disponível,
mas ela não é acessível à população das zonas Norte e Leste, por serem mais
pobres e possuírem um menor poder do compra. O poder econômico possui mais peso
do que a obrigatoriedade dos direitos. Infelizmente, esse fato é tomado como
natural, sendo assimilado pelos poderes públicos manauaras, levando-os à
omissão e à inoperância.
O problema ganha
destaque somente nos discursos eleitorais, quando se torna, para a maioria dos
candidatos, trampolim de subida ao poder. Todos os candidatos prometem a
solução, mas ao atingir o cargo visado todos esquecem da promessa feita com
empolgação. A questão fica mais grave quando sabemos que o poder judiciário não
se posiciona, diante dos processos impetrados contra a empresa Águas do
Amazonas-Manaus Ambiental (são 2.433 ações, somente no primeiro semestre desse
ano). Trata-se da concessionária que ocupa o primeiro lugar no ranking de
reclamações entre as empresas prestadoras de serviço público (no mesmo período,
ocorreram 1.627 registros de reclamações no Procon - Programa
Estadual de Proteção e Orientação ao Consumidor).
O Fórum das Águas
teve o tema da privatização como uma das principais inquietações. Diante da
retomada do processo de privatização do abastecimento de água e esgoto (venda
da COSAMA), destaca-se variados aspectos sombrios dessa negociação (o Tribunal
de Justiça do Amazonas julga desde o ano 2000 as irregularidades desse
processo), levando os participantes do encontro a se perguntarem o que fazer
para que o Estado retome os serviços outrora transferidos para a iniciativa
privada. Trata-se de um apelo que coloca em pauta a responsabilidade do Estado
em prover as necessidades básicas da população. Trata-se de questionar o
processo de “diminuição do Estado”, que é fundamentado na ilusão de que o
mercado resolve de forma automática os problemas da sociedade. Estamos lidando
com a inquietação popular diante da remota possibilidade da universalização de
direitos considerados essenciais.
O Fórum das Águas
mostra-se também como um espaço ecumênico, onde as igrejas se unem em torno do
mesmo ideal. A luta pelos direitos se revela como um núcleo aglutinador de
grupos e setores sociais capazes de relativizarem pontos de vista divergentes
em função de ideais maiores e mais abrangentes. Abre-se a oportunidade de
atribuir novos significados às doutrinas religiosas, fazendo-as dialogar com o
mundo e com os desafios atuais. O dom da fé sai da esfera meramente doutrinária
elevando-se ao nível do engajamento social, encarnando-se na realidade
concreta, fazendo-se vida. A luta pelos direitos é capaz de revelar um aspecto
essencial da religião, qual seja, o de valorizar e defender o ser humano, alvo
privilegiado da atenção de Deus.
Como resposta a essas
inquietações o Fórum das Águas propõe o
caminho da mobilização social. Com ela, verifica-se que os setores mais
frágeis da sociedade são sujeitos capazes de transformar a sua realidade;
contrapõe-se à ideia da naturalização da desigualdade social e da injustiça;
com a mobilização social destaca-se que a busca de uma sociedade melhor
constitui uma essencial atribuição do ser humano. Trata-se de pensar no outro
(sociedade), desconstruindo a ideologia do mercado competitivo, que prega a
superioridade dos interesses individuais em prejuízo dos projetos coletivos. A
mobilização social Implica uma sintonia com o Divino que promove e defende a
vida.
Sandoval Alves Rocha,
23 de Outubro de 2012.
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