Na sua época, Antonio
Gramsci (1891-1937) sugeriu que a sociedade capitalista não é um fenômeno
formatado e ordenado de uma vez por todas, mas se trata de um processo em
construção configurado numa luta entre forças sociais em busca da hegemonia
(classes populares) ou visando mantê-la (elites capitalistas). Trata-se de
perceber que as classes hegemônicas da sociedade capitalista (grandes
empresários, grandes proprietários de terra, donos de bancos, etc.) estão constantemente
lançando mão de estratégias para consolidar seu domínio sobre a organização
social, não somente buscando neutralizar as forças que se rebelam, mas também
desenvolvendo novas formas de dominação. Nesse sentido a privatização dos
serviços públicos, na medida em que promove a acumulação de capital, constitui
mais uma forma de as elites exercerem seu domínio sobre a sociedade, ocupando o
topo da hierarquia social.
Immanuel Wallerstein
(2004), ao descrever a expansão do sistema capitalista no ocidente, frisa que a
lógica do lucro avançou vorazmente sobre todos os setores da sociedade,
restando poucos nichos ainda não afetados. O autor se refere à mercantilização,
que constitui o elemento essencial da acumulação de capital. De fato, “o
capitalismo tem sido um programa para a mercantilização de tudo” (Wallerstein,
2004, p. 252[1]).
Infelizmente essa lógica do lucro tem ganhado espaço até mesmo entre aqueles
que se opõem ao capitalismo na medida em que eles se deixaram convencer de que
a propriedade não privada conduz ao desperdício, ao desinteresse pela
eficiência tecnológica e à corrupção.
Essa postura abre mais
espaço para a propriedade privada, criando um ambiente propício para a privatização
dos serviços públicos, reforçando a lógica do capital e do lucro, consolidando as
desigualdades sociais. No entanto, os graves problemas[2] na
gestão privada de serviços públicos (irregularidades, precariedades, superfaturamentos,
apropriação de recursos públicos, etc.) levam múltiplos atores sociais a questionarem a prática da privatização,
não somente em função desses fatores enumerados, mas também porque se percebe
cada vez mais que a privatização não responde à expectativa de universalização dos
serviços básicos. Ao contrário, torna-os mais inacessíveis à população
empobrecida sem recursos para pagar.
Ademais, numerosos
coletivos alimentam a perspectiva de se encontrar alternativas para a gestação
de um “outro mundo” mais materialmente racional, mais igualitário e mais
democrático (Fórum Social Mundial). Para o citado autor, aqueles que se opõem
às atuais estruturas de poder deveriam ter um programa para a
desmercantilização de tudo. “Daqui a quinhentos anos, se começarmos agora esse
caminho, podemos ainda não tê-lo cumprido inteiramente, mas podemos ter
progredido bastante” (Wallerstein, 2004, p. 252).
Numa época de
transição como a nossa em que o sistema capitalista está abalado por crises estruturais
em muitas partes do mundo, ocorrendo uma constante redução dos níveis globais de
lucro ao longo das últimas décadas, importa emergir iniciativas que representem
alternativas à racionalidade da mercantilização, considerando o fato de que em
épocas de crise quaisquer iniciativas, por pequena que seja, pode fazer a
diferença, repercutindo em proporções significativas.
Sandoval A. Rocha, 27 de Abril de 2012.
[1]
WALLERSTEIN, Immanuel. O Declínio do Poder Americano. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2004.
[2]
A sociedade manauara se
depara atualmente com a CPI da Água (instalada na Câmara Municipal), que visa
investigar irregularidades nos serviços de tratamento e distribuição de água
prestados pela empresa Águas do Amazonas. Trata-se da segunda CPI que essa
empresa enfrenta desde que assumiu a concessão dos mencionados serviços em
2000.
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