sexta-feira, 26 de abril de 2013

A privatização dos serviços públicos como expansão da ideologia do mercado


Na sua época, Antonio Gramsci (1891-1937) sugeriu que a sociedade capitalista não é um fenômeno formatado e ordenado de uma vez por todas, mas se trata de um processo em construção configurado numa luta entre forças sociais em busca da hegemonia (classes populares) ou visando mantê-la (elites capitalistas). Trata-se de perceber que as classes hegemônicas da sociedade capitalista (grandes empresários, grandes proprietários de terra, donos de bancos, etc.) estão constantemente lançando mão de estratégias para consolidar seu domínio sobre a organização social, não somente buscando neutralizar as forças que se rebelam, mas também desenvolvendo novas formas de dominação. Nesse sentido a privatização dos serviços públicos, na medida em que promove a acumulação de capital, constitui mais uma forma de as elites exercerem seu domínio sobre a sociedade, ocupando o topo da hierarquia social.

Immanuel Wallerstein (2004), ao descrever a expansão do sistema capitalista no ocidente, frisa que a lógica do lucro avançou vorazmente sobre todos os setores da sociedade, restando poucos nichos ainda não afetados. O autor se refere à mercantilização, que constitui o elemento essencial da acumulação de capital. De fato, “o capitalismo tem sido um programa para a mercantilização de tudo” (Wallerstein, 2004, p. 252[1]). Infelizmente essa lógica do lucro tem ganhado espaço até mesmo entre aqueles que se opõem ao capitalismo na medida em que eles se deixaram convencer de que a propriedade não privada conduz ao desperdício, ao desinteresse pela eficiência tecnológica e à corrupção.

Essa postura abre mais espaço para a propriedade privada, criando um ambiente propício para a privatização dos serviços públicos, reforçando a lógica do capital e do lucro, consolidando as desigualdades sociais. No entanto, os graves problemas[2] na gestão privada de serviços públicos (irregularidades, precariedades, superfaturamentos, apropriação de recursos públicos, etc.) levam múltiplos atores sociais a questionarem a prática da privatização, não somente em função desses fatores enumerados, mas também porque se percebe cada vez mais que a privatização não responde à expectativa de universalização dos serviços básicos. Ao contrário, torna-os mais inacessíveis à população empobrecida sem recursos para pagar.

Ademais, numerosos coletivos alimentam a perspectiva de se encontrar alternativas para a gestação de um “outro mundo” mais materialmente racional, mais igualitário e mais democrático (Fórum Social Mundial). Para o citado autor, aqueles que se opõem às atuais estruturas de poder deveriam ter um programa para a desmercantilização de tudo. “Daqui a quinhentos anos, se começarmos agora esse caminho, podemos ainda não tê-lo cumprido inteiramente, mas podemos ter progredido bastante” (Wallerstein, 2004, p. 252).

Numa época de transição como a nossa em que o sistema capitalista está abalado por crises estruturais em muitas partes do mundo, ocorrendo uma constante redução dos níveis globais de lucro ao longo das últimas décadas, importa emergir iniciativas que representem alternativas à racionalidade da mercantilização, considerando o fato de que em épocas de crise quaisquer iniciativas, por pequena que seja, pode fazer a diferença, repercutindo em proporções significativas. 

Sandoval A. Rocha, 27 de Abril de 2012.


[1] WALLERSTEIN, Immanuel. O Declínio do Poder Americano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
 
[2] A sociedade manauara se depara atualmente com a CPI da Água (instalada na Câmara Municipal), que visa investigar irregularidades nos serviços de tratamento e distribuição de água prestados pela empresa Águas do Amazonas. Trata-se da segunda CPI que essa empresa enfrenta desde que assumiu a concessão dos mencionados serviços em 2000. 

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