sábado, 20 de abril de 2013

A Onda Liberal nas Águas do Amazonas

 
Algumas noções sobre o liberalismo nos são bastante conhecidas porque temos vivenciado intensamente na vida cotidiana seus efeitos econômicos e sociais, principalmente a partir da década de 1980. Nessa época o mercado capitalista passa por um profundo rearranjo visualizado nos processos de globalização e regionalização dos mercados, com concentração cada vez maior do capital, orientada pela internacionalização da economia, sob a hegemonia do capital financeiro (Silva, 2007).
 
No Brasil, (e em todo o mundo capitalista) essa nova articulação produziu um expressivo aumento e disseminação da pobreza e da exclusão social, a precarização do trabalho, a eclosão do desemprego estrutural e o retraimento dos direitos sociais outorgados pela recente (na época) Constituição Federal de 1988 (Ivo, 2008). Esta nova fase do capitalismo, como era de se esperar, incrementou as pressões sobre a produção e o consumo, reconfigurando a cultura, promovendo efeitos destrutivos sobre o meio ambiente e avançando ferozmente em territórios, cujos recursos naturais, como a água e vários outros minérios, ainda são detectados com facilidade.
 
Como versão sofisticada do capitalismo, subjaz sob a lógica liberal o principio da constante ampliação do lucro. De fato, segundo diversos estudiosos, a racionalidade capitalista encontra sua expressão maior na expansão econômica, de forma que a estagnação pode ser considerada um indício de que o sistema está se aproximando do seu fim (Wallerstein, 2004). Numa perspectiva filosófica, o liberalismo caracteriza-se pela noção do individuo como ser movido por paixões e interesses, sendo que a liberdade, a propriedade e a igualdade constituem valores absolutos. Nesse sentido, a função primordial do Estado consiste em garantir o conjunto das liberdades individuais, possibilitando o homem viver, desimpedido, suas relações de troca e poder (Duriguetto, 2007). Assim, segundo a lógica liberal, a pobreza é resultado do mau desempenho individual de cada pessoa à medida que ela é incapaz de se adaptar à realidade recorrendo às suas habilidades naturais.
 
Longe da regulação do Estado, a sociedade civil aparece para os liberais como o reino das liberdades individuais, onde os homens interagem entre si e com o seu meio. Além disso, num contexto de capitalismo liberal, o mercado surge como o espaço por excelência das relações sociais, potencializando os indivíduos nas suas intervenções sobre os outros, sobre a natureza e sobre o seu contexto cultural, permitindo a consolidação e a ampliação de poderes e ganhos econômicos. Num mercado globalizado, a região amazônica, detentora de grandes reservas de recursos naturais, destaca-se como real possibilidade de ampliação de lucros, em uma época em que a descoberta de tais recursos torna-se cada vez mais difícil ao redor do planeta.
 
Elementos essenciais à vida como a água transformam-se em negócios extremamente lucrativos. A privatização de serviços básicos, como o tratamento e a distribuição dos recursos hídricos, é viabilizada sob o falso argumento da ineficiência do Estado. Aproveitando-se de populações pouco informadas e desmobilizadas, empresas particulares multiplicam seus ganhos em meio às irregularidades, aos serviços precários e superfaturados. Tudo isso sob a proteção de um Estado corrupto e de uma cultura que faz da política uma forma de angariar dinheiro e obter vantagens econômicas.
 
No reino do livre mercado nem os bens inalienáveis escapam à lógica mercantilista. A água, com todo o seu valor simbólico e o seu caráter imprescindível para a manutenção da vida, torna-se objeto de lucro e de exploração entre os indivíduos. Recurso que deveria ser garantido a todos os seres humanos sob pena de sua extinção é feito objeto de venda, sendo acessível somente àqueles que podem comprar. Dessa forma, a vida, doada pela mãe-natureza sem nenhuma distinção, torna-se monopólio de uma pequena classe de poderosos. O Estado, outrora garantidor de direitos e proteção social para os cidadãos, na sua versão liberal, se alia aos grandes capitalistas, transferindo-lhes suas prerrogativas e abandonando as populações vulneráveis à lei do mercado para o qual só tem vez e voz aquele que pode pagar. Lógica perversa que faz as pessoas nascerem já subalternas e dependentes de empresas que trabalham constantemente para aumentarem os seus lucros às custas dos pobres, destituindo-os de tudo o que têm. Lógica liberal das Águas do Amazonas!
 
Escrito por ocasião de uma visita à Ocupação Nova Vitória (Manaus), nos preparativos do bairro para a vistoria dos serviços prestados pela empresa Águas do Amazonas, investigada pela CPI da Água.
              
Sandoval A. Rocha, 11/04/2012
 
 
Bibliografia:
 
DURIGUETO, Maria Lúcia. Sociedade Civil e Democracia. Um debate necessário. São Paulo: Cortez, 2007.
 
IVO, Anete Brito Leal. Viver por um fio. Pobreza e Política Social. Salvador: Annablume, 2008.
 
SILVA, Maria Ozanira Silva e; YAZBEK, Maria Carmelita; DI GIOVANNI, Geraldo. A Politica Social Brasileira no Século XXI. Prevalência dos programas de transferência de renda. 3ª Edição. São Paulo: Cortez, 2007.
 
WALLERSTEIN, Immanuel. O declínio do poder americano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.

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