Não se trata aqui de falar da importância da água para a
vida, uma vez que é de conhecimento geral a sua necessidade para a existência e
manutenção da vida humana, assim como o lugar que ela ocupa no conjunto do
ecossistema. Alguém já sugeriu que o nosso planeta fosse chamado de Planeta
Água ao invés de Planeta Terra. Com isso, este alguém talvez quisesse propor que
nos desfizéssemos por um instante do nosso ponto de vista humano (terrestre),
nos colocando no lugar, sobretudo das espécies aquáticas, a fim de sentirmos
com mais intensidade a importância da água. Dessa forma, talvez evitássemos o
seu desperdício, a sua poluição (rios, mares, lençóis freáticos) e a sua
utilização para fins indevidos (exploração predatória, mercantilização
capitalista, enriquecimento, etc.) em prejuízo da saúde do homem e do planeta.
Destacamos aqui a importância do direito à água como
pré-requisito para a realização dos outros direitos (ONU – Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais). De outra parte, o artigo 22 do Código de Defesa do
Consumidor estabelece que os órgãos públicos devem fornecer de forma contínua
os serviços considerados essenciais para os cidadãos. Segundo a Organização
Mundial da Saúde (OMS), o abastecimento de água é essencial e por isso deve ser
oferecido de forma gratuita para aqueles que não podem pagar por ele. Por sua
vez, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da
Justiça do Brasil considera preocupante a possibilidade de corte do
fornecimento de água por causa da relação direta do recurso com a saúde pública
(CEAS, 2004)[1].
A preocupação da legislação que busca ressaltar o direito à
água constitui um sinal evidente de que este direito está sendo violado. Vivenciamos
concretamente a tensão existente entre a consolidação da Cidadania e a lógica da
Privatização, por mais que o discurso oficial incorpore a mercantilização como
o único caminho para a universalização dos serviços de água e saneamento. Há
sinais de que esta contradição tem provocado impactos desastrosos nas áreas
mais pobres e já vem causando muitos problemas na saúde e nas relações sociais
dessas populações: as relações sociais de uma comunidade se desgastam quando as
famílias ficam sem água, pois a disponibilidade de dinheiro passa a definir se uma
família terá água ou não, se viverá com saúde ou doença (CEAS, 2004).
A vigente tendência à Privatização dos serviços essenciais
ainda rebate nas relações sociais à medida que reforça a cultura do mercado de
consumo, configurando a representação e a autocompreensão dos cidadãos. Neste
ínterim, o conceito de Cidadania é reduzido, deslocando-se do espaço da
sociedade, do tecido social, para o espaço do mercado, onde só será cidadão que
tiver capacidade econômica para consumir (LAZZARINNI, 2007)[2].
A vida ao ser ameaçada desenvolve mecanismos de
sobrevivência. Padecendo a falta de água, inúmeras famílias buscam formas, muitas
vezes inadequadas (perfuração de poços particulares) ou acessam à água não
tratada. Na luta pela vida, as populações mais pobres de Manaus se empenham em
satisfazer a falta deste recurso: cansados de carregar baldes e garrafões de
água, moradores do bairro Nova Floresta (Zona Leste) ligam “na marra” canos aos
reservatórios inativos do PROAMA (Programa de Água para Manaus)[3]. No
bairro Tancredo Neves (Zona Leste), os moradores se rebelam contra a falta de
água: fecham a Avenida Grande Circular, queimam pneus e mato, sofrendo
violência da polícia[4].
Em todo o mundo grupos e movimentos se organizam com a
proposta de fazer da água um direito humano inalienável, um dever, portanto, do
Estado, que não pode ser privatizado. A solidariedade internacional,
planetária, já existe. Resta nos decidirmos a aderir a ela. A água une, são os
mercados que dividem e criam conflitos. Trata-se de construir alternativas
justas e democráticas para um outro mundo possível.
Sandoval
Alves Rocha, 18 de Dezembro de 2012.
[1] Cadernos do CEAS, Água: direito ameaçado. Salvador, nº
212, 2004.
[2] LAZZARINI, Marilena. O papel do movimento de consumidores frente
aos desafios do consumo. Petrópolis, Vozes, 2007.
[3] Jornal Acrítica, Caderno Cidades,
Manaus (1º/10/ 2012).
[4]
Jornal Acrítica, Caderno
Cidades, Manaus (5/11/2012).
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