A Organização das Nações Unidas tem frisado a importância do direito à água como pré-requisito para a realização dos outros direitos (ONU – Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). De outra parte, o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que os órgãos públicos devem fornecer de forma contínua os serviços considerados essenciais aos cidadãos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o abastecimento de água é essencial e por isso deve ser oferecido de forma gratuita para aqueles que não podem pagar por ele. Por sua vez, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça do Brasil considera preocupante a possibilidade de corte do fornecimento de água por causa da relação direta do recurso com a saúde pública[1].
A
preocupação da legislação que busca ressaltar o direito à água constitui um
sinal evidente de que este direito está sendo violado. Vivemos, atualmente, uma
tensão entre a consolidação da Cidadania e a lógica da Privatização, posto que
o discurso oficial insiste na mercantilização como o único caminho para a
universalização do saneamento básico (água e esgoto). Há sinais, no entanto, de
que esta postura oficial tem provocado impactos desastrosos nas áreas mais
pobres e já vem causando muitos problemas na saúde e nas relações sociais
dessas populações. Com efeito, as relações sociais de uma comunidade se
desgastam quando as famílias ficam sem água, pois a disponibilidade de dinheiro
passa a definir se uma família terá água ou não, se viverá com saúde ou doença[2].
Um
dos principais focos de ação do Fórum das Águas consiste em afirmar a água como
direito. Não é novidade que a região amazônica possui um dos maiores
reservatórios de água doce do planeta, mas a realidade indica que o direito à
água em Manaus é constantemente violado. A cada dia durante muitos anos nos acostumamos
a nos deparar com a falta de água motivando manifestações, atos públicos e
denúncias, o que fez deste problema um dos maiores desafios da cidade[3].
Esta insatisfação generalizada (principalmente nas zonas norte e leste) para
com o cumprimento de um dos direitos essenciais do ser humano mostra que a
cidadania em Manaus ainda constitui um sonho a ser concretizado.
A
atuação do Fórum das Águas junto aos Poderes Legislativos[4]
e Judiciário[5] buscando
a universalização do abastecimento de água e esgoto confirma que a cidadania
não chega ao seu termo tão somente quando os serviços essenciais passam a ser
contemplados nos códigos e normas jurídicas, mas na medida em que eles são
efetivados nas vidas concretas dos cidadãos e da sociedade[6].
A cidadania acontece à medida que os cidadãos, numa atitude consciente e firme (cidadania
ativa), não somente conseguem inscrever nas instâncias jurídicas as suas
demandas, sendo reconhecidas pelo conjunto da sociedade, mas, sobretudo, quando
vinculam tais demandas às iniciativas e políticas públicas adotadas pelo Estado.
Para promover
a expansão da cidadania é indispensável uma sociedade civil militante, uma vez
que somente ela pode expressar suas reais necessidades e torná-las conhecidas
perante as esferas políticas e estatais, responsáveis pela sua codificação e
legitimação. As manifestações de rua ocorridas em junho deste ano sinalizam que
os brasileiros estão cansados de esperar que poder público resolva os inúmeros
problemas nacionais que dizem respeito a direitos básicos. A saída às ruas
indica que a população descobriu que a cidadania é uma construção consciente e
coletiva realizada com redobrado esforço, onde não cabe o comodismo e a apatia
política, defendida à ferro e fogo pelos arautos da Ditadura Militar
(1964-1985).
Hoje,
não convém esperar pela bondade do Estado (poderes executivo, legislativo e
judiciário), atribuindo-o um status sagrado,
onde a sua vontade seja feita assim na terra como no céu. Caminhamos para uma
desmistificação do Estado, reconhecendo que ele é produto da sociedade e dela
recebe influências, incorporando as mais variadas tendências personalistas,
visões e ideologias políticas. Neste sentido, o Fórum das Águas, assim como
múltiplos movimentos sociais, tem se esforçado para fazer um Estado mais
sensível aos anseios dos cidadãos e a cidadania seja, desta forma, realizada no
Direito e no Cotidiano, assegurando as condições básicas de vida para toda a população
(Educação, Saúde, Saneamento Básico, etc.).
Ansiamos
que nossas inúmeras passeatas à porta do Tribunal de Justiça do Amazonas sejam
ouvidas, levando os magistrados a agirem em defesa da cidadania, devolvendo aos
poderes púbicos a responsabilidade pelo abastecimento de água e esgoto de
Manaus, considerando não somente as irregularidades do Leilão da Cosama (ano
2000), mas também constatando que a nossa experiência de privatização destes
serviços não se mostra satisfatória. A população tem demonstrado nos últimos
tempos que não quer negociar com empresas privadas, pois a elas só interessa o
lucro. Neste meio, o dinheiro é a base da negociação (quem menos possui
dinheiro, menos tem poder de barganha). Ao contrário, os brasileiros,
portadores de direitos e deveres, buscam conversar com os seus representes,
pois para isso foram eleitos.
Ao
anularem o leilão de privatização da Cosama entregando ao Estado/Prefeitura a
responsabilidade direta sobre o saneamento básico da cidade, os magistrados estarão
devolvendo ao povo manauara (pobres e ricos) a possibilidade de negociarem com
o poder público, promovendo a consolidação da cidadania e do regime democrático
no Brasil. Esperamos que o poder judiciário faça a sua parte, assim como o
Fórum das Águas tem tentado fazer a sua através de inúmeras visitas às instâncias
de decisão da sociedade. Esperamos colaborar para a expansão da cidadania!
Sandoval Alves Rocha,
Fórum das Águas
07/08/2013
[3]
“Manaus fica entre os piores no serviço de saneamento básico” (Fonte: portal@d24am.com,
16 de Agosto de 2012).
[4] “Audiência Pública na CMM debate gestão do Proama à iniciativa privada” (Fonte: cmm.am.gov.br, 15 de Maio de 2013).
[5] “O caso Cosama será julgado depois de 13 anos” (Fonte: Acritica.uol.com.br, 04 de Agosto de 2013).
[6] Reinaldo Dias. Fundamentos de Sociologia Geral. 4ª Edição. Campinas (SP): Editora Alínea, 2009.
[4] “Audiência Pública na CMM debate gestão do Proama à iniciativa privada” (Fonte: cmm.am.gov.br, 15 de Maio de 2013).
[5] “O caso Cosama será julgado depois de 13 anos” (Fonte: Acritica.uol.com.br, 04 de Agosto de 2013).
[6] Reinaldo Dias. Fundamentos de Sociologia Geral. 4ª Edição. Campinas (SP): Editora Alínea, 2009.
"Para promover a expansão da cidadania é indispensável uma sociedade civil militante."
ResponderExcluirISSO MESMO!! Às vezes parece que estamos entendendo a palavra “democracia”como algo que não exígi mais nenhum esforço, nem luta. Viver num país democrático não significa tornar se apático e sim, o direito de lutar abertamente e com liberdade de expressão.
No seu artigo A democracia começa em casa, o historiador Jaime Pinsky diz: “A democracia implica ter coragem para mudar.”
No Brasil ainda há muito a ser mudado e melhorado. Se a democracia começa em casa, onde começa o militarismo dos Manauaras para conseguir algo tão básico como àgua?