quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O Fórum das Águas na Expansão da Cidadania


A Organização das Nações Unidas tem frisado a importância do direito à água como pré-requisito para a realização dos outros direitos (ONU – Direitos Econômicos, Sociais e Culturais). De outra parte, o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que os órgãos públicos devem fornecer de forma contínua os serviços considerados essenciais aos cidadãos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o abastecimento de água é essencial e por isso deve ser oferecido de forma gratuita para aqueles que não podem pagar por ele. Por sua vez, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça do Brasil considera preocupante a possibilidade de corte do fornecimento de água por causa da relação direta do recurso com a saúde pública[1].
A preocupação da legislação que busca ressaltar o direito à água constitui um sinal evidente de que este direito está sendo violado. Vivemos, atualmente, uma tensão entre a consolidação da Cidadania e a lógica da Privatização, posto que o discurso oficial insiste na mercantilização como o único caminho para a universalização do saneamento básico (água e esgoto). Há sinais, no entanto, de que esta postura oficial tem provocado impactos desastrosos nas áreas mais pobres e já vem causando muitos problemas na saúde e nas relações sociais dessas populações. Com efeito, as relações sociais de uma comunidade se desgastam quando as famílias ficam sem água, pois a disponibilidade de dinheiro passa a definir se uma família terá água ou não, se viverá com saúde ou doença[2].
Um dos principais focos de ação do Fórum das Águas consiste em afirmar a água como direito. Não é novidade que a região amazônica possui um dos maiores reservatórios de água doce do planeta, mas a realidade indica que o direito à água em Manaus é constantemente violado. A cada dia durante muitos anos nos acostumamos a nos deparar com a falta de água motivando manifestações, atos públicos e denúncias, o que fez deste problema um dos maiores desafios da cidade[3]. Esta insatisfação generalizada (principalmente nas zonas norte e leste) para com o cumprimento de um dos direitos essenciais do ser humano mostra que a cidadania em Manaus ainda constitui um sonho a ser concretizado.
A atuação do Fórum das Águas junto aos Poderes Legislativos[4] e Judiciário[5] buscando a universalização do abastecimento de água e esgoto confirma que a cidadania não chega ao seu termo tão somente quando os serviços essenciais passam a ser contemplados nos códigos e normas jurídicas, mas na medida em que eles são efetivados nas vidas concretas dos cidadãos e da sociedade[6]. A cidadania acontece à medida que os cidadãos, numa atitude consciente e firme (cidadania ativa), não somente conseguem inscrever nas instâncias jurídicas as suas demandas, sendo reconhecidas pelo conjunto da sociedade, mas, sobretudo, quando vinculam tais demandas às iniciativas e políticas públicas adotadas pelo Estado.
Para promover a expansão da cidadania é indispensável uma sociedade civil militante, uma vez que somente ela pode expressar suas reais necessidades e torná-las conhecidas perante as esferas políticas e estatais, responsáveis pela sua codificação e legitimação. As manifestações de rua ocorridas em junho deste ano sinalizam que os brasileiros estão cansados de esperar que poder público resolva os inúmeros problemas nacionais que dizem respeito a direitos básicos. A saída às ruas indica que a população descobriu que a cidadania é uma construção consciente e coletiva realizada com redobrado esforço, onde não cabe o comodismo e a apatia política, defendida à ferro e fogo pelos arautos da Ditadura Militar (1964-1985).
Hoje, não convém esperar pela bondade do Estado (poderes executivo, legislativo e judiciário), atribuindo-o um status sagrado, onde a sua vontade seja feita assim na terra como no céu. Caminhamos para uma desmistificação do Estado, reconhecendo que ele é produto da sociedade e dela recebe influências, incorporando as mais variadas tendências personalistas, visões e ideologias políticas. Neste sentido, o Fórum das Águas, assim como múltiplos movimentos sociais, tem se esforçado para fazer um Estado mais sensível aos anseios dos cidadãos e a cidadania seja, desta forma, realizada no Direito e no Cotidiano, assegurando as condições básicas de vida para toda a população (Educação, Saúde, Saneamento Básico, etc.).
Ansiamos que nossas inúmeras passeatas à porta do Tribunal de Justiça do Amazonas sejam ouvidas, levando os magistrados a agirem em defesa da cidadania, devolvendo aos poderes púbicos a responsabilidade pelo abastecimento de água e esgoto de Manaus, considerando não somente as irregularidades do Leilão da Cosama (ano 2000), mas também constatando que a nossa experiência de privatização destes serviços não se mostra satisfatória. A população tem demonstrado nos últimos tempos que não quer negociar com empresas privadas, pois a elas só interessa o lucro. Neste meio, o dinheiro é a base da negociação (quem menos possui dinheiro, menos tem poder de barganha). Ao contrário, os brasileiros, portadores de direitos e deveres, buscam conversar com os seus representes, pois para isso foram eleitos.
Ao anularem o leilão de privatização da Cosama entregando ao Estado/Prefeitura a responsabilidade direta sobre o saneamento básico da cidade, os magistrados estarão devolvendo ao povo manauara (pobres e ricos) a possibilidade de negociarem com o poder público, promovendo a consolidação da cidadania e do regime democrático no Brasil. Esperamos que o poder judiciário faça a sua parte, assim como o Fórum das Águas tem tentado fazer a sua através de inúmeras visitas às instâncias de decisão da sociedade. Esperamos colaborar para a expansão da cidadania!
Sandoval Alves Rocha,
Fórum das Águas
07/08/2013


[1] Cadernos do CEAS, Água: direito ameaçado. Salvador, nº 212, 2004.
[2] Idem ibidem.
[3] “Manaus fica entre os piores no serviço de saneamento básico” (Fonte: portal@d24am.com, 16 de Agosto de 2012).
[4] “Audiência Pública na CMM debate gestão do Proama à iniciativa privada” (Fonte: cmm.am.gov.br, 15 de Maio de 2013).
[5] “O caso Cosama será julgado depois de 13 anos” (Fonte: Acritica.uol.com.br, 04 de Agosto de 2013).
[6] Reinaldo Dias. Fundamentos de Sociologia Geral. 4ª Edição. Campinas (SP): Editora Alínea, 2009.

Um comentário:

  1. "Para promover a expansão da cidadania é indispensável uma sociedade civil militante."
    ISSO MESMO!! Às vezes parece que estamos entendendo a palavra “democracia”como algo que não exígi mais nenhum esforço, nem luta. Viver num país democrático não significa tornar se apático e sim, o direito de lutar abertamente e com liberdade de expressão.
    No seu artigo A democracia começa em casa, o historiador Jaime Pinsky diz: “A democracia implica ter coragem para mudar.”
    No Brasil ainda há muito a ser mudado e melhorado. Se a democracia começa em casa, onde começa o militarismo dos Manauaras para conseguir algo tão básico como àgua?

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