sábado, 31 de agosto de 2013

As relações de poder no interior das Instituições Públicas.

A luta travada pelo Fórum das Águas visando à universalização do abastecimento de água e esgoto em Manaus nos remete a um problema de longa duração. O sucateamento da COSAMA (Companhia de Saneamento do Amazonas), promovido pelos poderes públicos para justificar a concessão destes serviços à iniciativa privada (atuais concessionárias, Águas do Amazonas/Manaus Ambiental), aprofundou na Região Norte o sistema do capital, pautado pela busca desenfreada do lucro e pela exploração irresponsável dos recursos humanos e naturais. Neste interin, os três poderes constitucionais (Executivo, Legislativo e Judiciário) se conformaram a este modelo de gestão do social, aprofundando e perpetuando o sofrimento das populações mais pobres, que se encontram em desvantagens frente à competição e à seleção capitalistas.

Confirmando inúmeras análises sobre a organização da sociedade, observa-se em Manaus que as instituições públicas (Executivo, Legislativo e Judiciário) correspondem às relações econômicas estabelecidas na sociedade[1], ou seja, trata-se de organismos que refletem e consolidam as desigualdades nas relações de poder da vida cotidiana. Os esforços destas entidades visam conservar a pirâmide social, trabalhando para que os ricos continuam sendo ricos às custas dos pobres, que continuam sendo vitimados pela exploração e precariedade das condições de vida. Este estado de coisas é reconhecido por algumas autoridades públicas quando afirmam que “a Justiça brasileira pune majoritariamente pessoas pobres, negras e sem relações políticas[2].

Esta realidade explica a eclosão de críticas, resistências e hostilidades para com os poderes públicos em todas as partes do Brasil nos últimos tempos[3]. Tais instituições estão cada vez mais atreladas aos poderosos e distantes da população em geral, não respondendo aos seus anseios políticos, sociais e democráticos: o Executivo não promove o bem-comum, o Legislativo não consegue captar e codificar “o espírito do povo”, nem o Judiciário se interessa em fazer justiça aos injustiçados. Este sentimento de rejeição para com as instituições é detectado por institutos de pesquisa que vislumbram o aumento da descrença nos três poderes ao longo da última década[4].

Percebendo a gravidade do momento, ainda aparecem autoridades que alertam estas instituições, advertindo-as a que se aproximem do povo, voltem às suas origens democráticas e repensem a sua missão diante das demandas populares. Refletindo sobre esta situação, a ministra do Supremo Tribunal Federal Carmem Lúcia constata: “o povo brasileiro não está satisfeito com o Poder Judiciário principalmente pela morosidade com que nós correspondemos às demandas urgentes”[5].

Em Manaus, esta postura do poder judiciário aparece também na hora dos encaminhamentos para a solução do problema do abastecimento de água. É notável a morosidade deste órgão, que há 13 anos engaveta o processo de anulação do leilão da Cosama (ano 2000), que transferiu para a iniciativa privada a gestão da água na cidade[6]. Destaca-se também o caso em que o judiciário (2ª Vara da Fazenda Pública Municipal), em beneficio da concessionária (Águas do Amazonas/Manaus Ambiental), emitiu sentença que livra a empresa de pagar multa pela má qualidade do serviço prestado, resultando em prejuízo para centenas de famílias que foram afetadas por rompimentos de adutoras[7]. O descrédito do Judiciário é resultado também do seu fraco poder de coação perante as classes poderosas. Diante de um julgamento do judiciário, a empresa Águas do Amazonas/Manaus Ambiental se sente à vontade para cumprir ou descumprir a sentença[8]. Enquanto isso, a população afetada pela precariedade dos serviços e vitimada pelas arbitrariedades da empresa são obrigadas engolirem à seco o seu descontentamento.

As elaborações que visualizam nas instituições públicas o espelho das relações de poder de uma sociedade não estão distantes da realidade, pois estas instituições constituem mecanismos de legitimação das hierarquias sociais, servindo para manter os desequilíbrios que beneficiam a quem se encontra nos estratos superiores e ao mesmo tempo buscam perpetuar o sofrimento daqueles que residem nos estrados de baixo. Os estudiosos sinalizam que estes organismos expressam os interesses gerais da classe dominante, são instrumentos ideológicos e políticos da classe capitalista sobre o conjunto da sociedade[9].

Aos movimentos sociais compete a mobilização, fazendo ecoar os gritos e gemidos das populações maltratadas, ensejando influenciar as decisões fundamentais nos momentos oportunos, num esforço de fazer uma sociedade mais democrática (popular), mais justa, mais equilibrada e menos piramidal.

Sandoval Alves Rocha,
31/08/2013




[1] SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
[2] Discurso do Presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa em congresso da Unesco sobre a Liberdade de Imprensa (FONTE: Jornal O Povo - Fortaleza, 04 de Maio de 2013).
[3] “Onda de protestos chega a Manaus” (Jornal Amazonas Emtempo, 18 de Junho de 2013).
[4] Jornal Folha de São Paulo Online (19 de Junho de 2013).
[5] Advertência feita aos desembargadores, juízes e estudantes de direito no Tribunal de Justiça do Amazonas (Jornal Acrítica, 25 de Julho de 2013).
[6] Jornal Acrítica, 04 de Agosto de 2013 (http://acritica.uol.com.br).
[7] Portal do Holanda, 29 de Julho de 2013 (www.portaldoholanda.com).
[8]Manaus Ambiental ignora justiça e mantém cobrança de taxa onde não há tratamento de esgoto” (Jornal Acritica, 04 de Julho de 2103).
[9] SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

Um comentário:

  1. Poderes atrelados, este é o "Comitê da Burguesia" do Amazonas, até mesmo o saneamento, sobretudo o abastecimento está pela lógica mercantilista, que incoerência, ninguém vive sem água! Justiça social urgente, o líquido precioso dado as necessidades do povo!

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